A vantagem de se trabalhar em casa era não ter que acordar cedo,
encarar o trânsito louco de São Paulo e já chegar tão cansado no serviço como
se tivesse acabado de sair dele. A parte ruim disso, bem, talvez fosse
justamente a casa... Todos os detalhes insignificantes para qualquer um
torna-se interessantíssimo aos olhos de alguém que precisa se concentrar em
seus afazeres profissionais, como a abelha sobrevoando uma flor na janela da
vizinha ou o barulho característico de uma geladeira irrompendo o silêncio.
Embora essa fosse uma verdade inquestionável, Thales preocupava-se que o real
motivo de sua desatenção fosse justamente a falta de trabalho. Detetive
particular não era exatamente um profissional tão solicitado assim,
principalmente alguém novo, com um óculos preto, quadrado e grosso combinando
com uma barba por fazer, no melhor perfil nerd.
Mas o que lhe atrapalhava mesmo era nunca ter tido um primeiro caso a
resolver. Claro, para tudo na vida tem uma primeira vez, mas como ganhar
experiência se ninguém lhe dar oportunidade? Esse mundo era muito injusto, ele
pensava, até porque o fato de nunca ter atuado como detetive não lhe tirava a
habilidade adquirida ao longo de uma vida lendo as histórias de Hercule Poirot,
de quem aliás era um grande fã. Talvez o erro tenha sido anunciar seus serviços
na internet, devia ter feito um lobby
com alguém para indicá-lo, mas quem sai por ai espalhando aos quatro ventos que
precisa de um detetive?
Imerso em seus pensamentos, se assustou quando o celular tocou. O
número era desconhecido, mas atendeu prontamente.
- Oi? Alô?
- Oi, é... Estou ligando por conta do anúncio na internet... – disse
uma voz feminina aparentando timidez.
- Pois não, aqui é o detetive Thales Mestre falando. Como posso
ajudá-la?
- Bem, será que podemos nos encontrar em algum lugar para conversar?
- Sim, claro! Onde você está? Ah, sim, conheço. Pode deixar, em uma
hora estarei ai. – Thales desligou e imediatamente saiu eufórico para trocar de
camiseta enquanto passava um desodorante e tentava alinhar o cabelo com os
dedos.
Na hora combinada ele chegou na lanchonete indicada pela cliente. Mas
um detalhe praticamente irrelevante até agora passou a ter uma importância
monumental nesse instante. Qual era o nome dela? O entusiasmo da ligação não
lhe permitiu lembrar dessa pergunta básica, e agora, parado na porta, sem saber
a quem procurar, prometeu a si mesmo perguntar o nome da mulher assim que a
encontrasse.
- Senhor Thales? – uma voz acanhada falou atrás dele.
- Sim, sim. Sou eu. – respondeu virando-se. Em um milésimo de segundo
observou a pessoa a sua frente: uma moça frágil, loira, com cabelo um pouco
mais para baixo do ombro e uma pele absurdamente branca.
- Prazer, eu sou a Clarissa.
- Clarissa! Esse é o seu nome. Claro, o prazer é todo meu. Vamos
sentar?
Acomodaram-se em uma mesa no fundo da lanchonete, que era
razoavelmente grande mas tinha apenas uma meia-dúzia de clientes àquela hora da
tarde, talvez porque as pessoas estivessem trabalhando, muito embora fosse
exatamente isso o que estava Thales fazia ali.
- Bem, então o senhor tem bastante experiência nesse tipo de serviço?
– Clarissa perguntou.
Quase se engasgando com o café, Thales disse um sim que pouco lhe
convenceu, mas foi o suficiente para a garota.
- Preciso de sua ajuda para salvar a minha família.
- Salvar sua família? Como assim? – questionou inclinando-se um pouco
para a frente.
- Primeiro quero sua total discrição. Esse assunto não pode vazar de
forma alguma.
- Pode ficar tranquila.
Clarissa iniciou a narrativa com um profundo suspiro. – Minha família
é muito rica e sempre sai na mídia, por isso esse assunto é extremamente
delicado. Minha mãe tem um anel que pertenceu à minha avó e é valiosíssimo, de
diamante azul. E ele foi roubado. – seu tom de voz diminuiu consideravelmente
nesta frase final.
- Roubado? – Thales perguntou imitando a mesma a entonação dela.
- Na verdade não foi bem roubado, foi furtado...
As sobrancelhas dançando no rosto de Thales pediam que ela continuasse
com a explicação.
- Na segunda à noite meus pais iam a uma festa e minha mãe foi
pegá-lo, mas ele tinha sumido.
- E como vocês sabem que ele foi furtado e não simplesmente perdido?
- Ela tinha muito cuidado com o anel, além de ser uma joia de família,
é muito valiosa. Deve custar uns vinte. – falou tentando disfarçar.
- Vinte mil? – Thales perguntou com os olhos arregalados.
- Não! – ela inclinou-se sobre a mesa e cochichou – vinte milhões de
reais.
Ele não teve reação. Não acreditava ter ouvido essa quantia. Parecia
ter ficado em estado de choque por um instante.
- Agora ela quer descobrir quem foi antes de chamar a polícia, para
não ter nenhum escândalo.
- Mas furtar, principalmente algo tão valioso assim, é uma coisa
comum. Uma hora a polícia tem que ser acionada.
- Sim, acontece que foi alguém da minha casa.
- Como assim?
- Veja, minha mãe garante que o anel estava na caixa de joias poucos minutos
antes de perceber o sumiço. E nesse tempo ninguém entrou e nem saiu de casa.
- Compreendo... – Thales não compreendia bem, é verdade, mas precisava
passar credibilidade.
- Como ninguém tem provas de nada e nem acharam o anel, estão todos
desconfiando de todos. Está um verdadeiro clima de guerra lá.
- Me perdoe, mas e a senhora? Ninguém suspeita de você?
- Eu estava viajando – respondeu com dignidade – cheguei de Buenos
Aires ontem.
- E a ideia de procurar um detetive particular?
- Foi minha. O clima está péssimo lá, além de que minha mãe concorda
que é imprescindível resolvermos essa questão dentro de casa, senão a reputação
da família estaria abalada...
- Compreendo – Dessa vez Thales realmente começava a compreender algo.
– Talvez eu devesse conversar com ela pessoalmente.
- Sim, ela já nos espera. Sabia que pediria para falar com ela.
Os dois saíram da lanchonete e pegaram um táxi em direção à casa de
Clarissa. Chegaram em uma cobertura no bairro de Vila Mariana, o que fez
reascender os cifrões nos olhos do jovem detetive.
Foram recepcionados por Tereza, uma senhora séria, loira, sem dúvidas
com mais de cinquenta anos, mas sendo impossível calcular sua idade exata
devido a quantidade de Botox segurando seu rosto.
- Mamãe, esse é o Thales Mestre. Ele quem vai nos ajudar naquela
questão.
- Imaginava alguém mais velho. – respondeu a senhora sem meias
palavras. – mas tudo bem, sendo competente já é o bastante.
Os três entraram e sentaram – se no sofá que contornava toda a sala
que por sua vez era maior que o apartamento inteiro de Thales.
- Hum. Vejamos, senhora...
- Tereza. – respondeu sem paciência.
- Tereza, senhora Tereza. Bem, quando foi a última vez que viu o anel?
- Na segunda a tarde, pouco antes de tomar banho, devia ser umas seis horas. Passei na penteadeira quando fui ao banheiro
e vi algumas joias na caixa, inclusive o anel de cristal.
- E percebeu que ele havia sumido em seguida?
- Assim que sai do banho e coloquei as roupas, quando fui pegá-lo não
estava mais lá.
- E quanto tempo se passou nesse intervalo?
- O banho, você diz? Deve ter durado uns quinze minutos.
- Então a senhora acredita que alguém entrou em seu quarto nesse
período e roubou a joia.
- Sem dúvidas!
- E quem estava na casa?
- Meu marido Luciano, minha sobrinha Lívia e a empregada Mariana.
- E acredita que algum deles tenha motivos para roubar o anel?
- Olha – Tereza falou abaixando a voz como se não quisesse que alguém
escutasse – a Mariana, minha empregada, não é de confiança. Fora que ela é a
única realmente capaz de fazer isso, não é? Minha família não é dessa laia.
Entendendo a conotação que ela queria dar àquela fala, Thales
cuidadosamente prosseguiu:
- Mas a senhora acredita que ela tenha algum motivo real para querer
fazer isso?
- Veja, ela está conosco a pouco tempo, não tem nem um mês, foi
enviada pela agência. Parece que chegou outro dia do nordeste e o pai está
doente. Então todo dinheiro que ganha é
muito bem vindo.
- E a senhora percebeu algo estranho, ou diferente em seu quarto ou no
comportamento da empregada depois do episódio?
Pensando um pouco, Tereza logo respondeu:
- Não, nada anormal que eu lembre, a não ser é claro, a ausência do
anel. Fora que comecei a gritar desesperada e não prestei atenção em mais nada.
- Ah, entrou em choque?
- Como?
- Digo, se desesperou.
- Mas é claro, você sabe quanto vale aquele anel?
- Sei sim... – respondeu Thales suspirando.
- E o valor sentimental? Eu herdei ele de minha mãe. É muito especial
pra mim.
- Hum... Voltando ao momento do incidente, imagino que alguém tenha
ido te socorrer ao ouvir os gritos.
- Sim, o meu marido. Na verdade todo mundo entrou no quarto.
- E seu esposo, está aqui? Será que posso conversar com ele?
- Claro. Querida, vá chama-lo, por favor. – disse dirigindo-se a
Clarissa.
Thales e Luciano foram conversar na varanda da casa, com uma vista
privilegiada da cidade. O senhor de seus sessenta anos e alguns fios de cabelo
na cabeça não conseguia disfarçar o nervosismo. O assunto o abalara
grandemente.
- Senhor, desculpe-me mas preciso perguntar. Onde estava na segunda
entre as dezoito horas e dezoito e quinze?
- Eu estava lá fora, o carro estava na rua e começou a chover. Como
íamos sair, desci para coloca-lo na garagem, assim Tereza não se molharia.
- Mas quando ela começou a gritar você já estava aqui.
- Sim, tinha acabado de chegar, estava limpando a lama dos sapatos.
- E percebeu algo estranho antes ou depois do roubo?
- Estranho? O roubo é estranho! – aproximou-se de Thales, tentando
estabelecer alguma intimidade com ele. – Escuta, a minha empresa está com
muitos problemas financeiros, a gente não pode ter a imagem abalada por uma
situação dessas... em família ainda por cima!
- Tudo bem, seu Luciano. Ninguém ficará sabendo disso.
Depois da conversa, Thales foi em direção à sala, mas deteve-se ao
perceber que Clarissa conversava com a mãe. Ficou atrás da parede do corredor
tentando ouvir o que as duas falavam.
- Mamãe, a senhora tem certeza de que não lembra de nada? É
importantíssimo que diga tudo o que sabe para resolvermos logo tudo isso, da
forma mais discreta possível.
- Não tem nada, filha. Só o anel que primeiro estava na caixa e depois
não estava mais. Tudo estava no lugar, não tinha nada faltando. A única coisa
estranha que percebi foi um cheiro de rosas quando sai do banho, mas com
certeza foi impressão, devia ser algum sabonete que usei.
- Mas a senhora não acredita mesmo que tenha sido o papai, não é?
- Não sei, Clara. Essas dívidas que a empresa tem são uma tortura. O
conselho está quase tirando ele da presidência. Fora que não seria a primeira
vez que ele me engana. – cortou a frase abruptamente como se não quisesse que a
filha soubesse da história. Nesse momento Thales aproveitou e entrou.
- Bem, gostaria de conversar com sua sobrinha e a empregada, se possível.
- Agora não será. Elas não estão em casa. Mas pode retornar amanhã de
manhã.
- Ah sim, claro. Nesse caso, boa noite.
Enquanto voltava para casa, em um ônibus lotado, tentava pensar em
algo. Mas não conseguia, o aperto e o fedor de suor das pessoas não permitiam
que seu cérebro trabalhasse adequadamente. Foi só ao descer e começar a
caminhar que pode colocar as ideias em ordem. A viagem de mais de duas horas
até sua casa o fez refletir sobre a necessidade de se mudar para o centro afim
de facilitar o transporte, mas isso dependeria do sucesso dessa investigação.
Seu caminho havia um cemitério, onde ele sempre parava e ficava observando
a movimentação. Naquele dia parou para pensar no caso e encostou em um poste de
frente a entrada do cemitério de onde observou uma moça levar algumas flores à
uma lápide. Então começou a tentar organizar o emaranhado de informações de
mais cedo.
Uma família em crise financeira, que adora viver das aparências. Um
anel de vinte milhões com certeza viria muito a calhar. O marido teria todos os
motivos para pegar o anel, e segundo a esposa ele seria capaz disso. Ele, por
sua vez, parecia desesperado com a situação, se descobrissem que ele pegou a
joia sua carreira estaria arruinada. Mas... se a esposa acha que foi ele, por
que quer tanto colocar a culpa na empregada? Com esse quebra-cabeça na mente
Thales chegou feliz da vida em casa, louco para solucionar seu primeiro
mistério.
Na manhã seguinte ele estava tocando a campainha da casa de Clarissa e
foi recebido por uma moça de no máximo 1,60 de altura, magrinha e com os
cabelos negros.
- Pois não?
- Bom dia, gostaria de falar com a dona Tereza.
Mal havia acabado de falar, ela própria apareceu atrás da menina e
pediu que ele entrasse.
- Mariana, esse é o detetive Thales. Thales, essa é Mariana, nossa
empregada.
- Ah sim, será que podemos conversar?
A moça olhou para a patroa como se pedisse autorização e obteve um
aceno positivo com a cabeça. Os dois dirigiram-se à sala de jantar.
- Você é a Mariana, então.
- Sim senhor.
- Está a muito tempo aqui?
- Não, só a uns quarenta dias. Vim de Pernambuco.
- E tem algum parente em São Paulo?
- Não senhor. Precisei vir porque meu pai está muito doente e não
temos dinheiro para o tratamento. Vim trabalhar para ajudar.
- Então todo o dinheiro que ganha aqui vai para ele?
- Quase tudo. Também estou juntando para o meu casamento.
- Você vai casar?
- Vou sim. Meu noivo está em Pernambuco cuidando das coisas.
- E sobre o anel. Já o tinha visto antes?
- Só uma vez, nas mãos da dona Tereza.
- E o que estava fazendo no momento em que ele desapareceu?
- Ah, bem... Não tenho certeza, devia estar na cozinha preparando o
jantar.
- Mas eles não iriam sair?
- Sim, mas a menina, Lívia, ia ficar em casa.
- Ah, claro. Então não tem certeza de onde estava?
- Não, só lembro de ouvir a dona Tereza gritando no quarto.
- Hum, e você acredita que alguém daqui de dentro pode ter roubado?
- Não sei, senhor...
- Para terminar, sabe onde o Luciano estava no momento?
Depois de pensar um pouco respondeu:
- Acredito que estava na chuva pois lembro de vê-lo chegar com o
sapato todo sujo pouco tempo antes de ouvir a dona Tereza...
- Ok, era só isso que eu precisava. Obrigado.
A simplicidade da moça chegou a
comovê-lo, mas a imparcialidade precisava ser seu lema de trabalho. A próxima
pessoa a entrevistar, a única que faltava, era a sobrinha de Tereza, Lívia. Ao
entrar na sala ela trouxe junto sua jovialidade impressa tanto na aparência
como no sorriso. Por um momento Thales pensou já tê-la visto em algum lugar. Não
parecia abalada com os acontecimentos recentes.
- Então você que está investigando o caso? Não querem mesmo chamar a
polícia, hein.
- A senhora não parece muito preocupada com o assunto.
- Primeiro, senhora não, sou mais nova que você – ela deve ter imaginado
como rosto dele ficaria corado – e segundo, por que estaria preocupada? Eu não
peguei nada, muito pelo contrário, acho até que ninguém o tenha pego.
- Como assim?
- Deve ser caso da minha tia que está querendo pagar as dívidas da
família e manter a vida de dondoca que tem.
- Por que fala assim?
- Porque acho que é isso. Quem aqui dentro ia querer aquele anel? A
Clarissa estava viajando e mesmo assim era a herdeira natural, então não teria
motivos para roubá-lo e a empregada parece ser honesta demais pra fazer uma
coisa dessas.
- E o seu tio?
- Bem, sobra ele e minha tia. Acho que os dois teriam coragem de fazer
de conta que o anel sumiu, mas minha tia tem mais caráter de quem faz uma coisa
dessas.
- O que você quer dizer com isso?
- Ah, deixa pra lá. É uma longa história. Ela e minha mãe não se
gostavam. Tia Tereza era mais nova e mesmo assim minha avó sempre a tratou
melhor, como sua favorita.
- E presumo que você não more aqui.
- Não mesmo, sou de Mato Grosso, mas vim passar um tempo aqui a
convite da Clarissa. Ela queria que nossa família voltasse a ser unida.
- E quando chegou?
- Semana passada. Fico mais uns quinze dias. Quer dizer, o plano era
esse, mas agora talvez eu vá antes. Com essa situação toda está muito chato
ficar aqui.
- Sua prima Clarissa estava viajando. Por que você mesmo assim ficou
aqui se foi ela quem te convidou?
- Ela ficou só três dias na Argentina a trabalho. Fora que acreditava
que essa era uma ótima oportunidade para me aproximar de minha tia.
- E sua mãe, onde está?
- Em Mato Grosso. Depois que saiu de São Paulo a muitos anos, foi
morar lá.
- E tem falado com ela?
- Às vezes sim.
- Bem, dona Lívia, quer dizer, Lívia, na segunda-feira, onde estava
entre as 18:00 e as 18:15?
- No quarto, na internet.
- Ok, agradeço sua atenção.
Ao levantar-se, Thales foi até Clarissa e pediu para andar um pouco
pela casa, o que foi prontamente autorizado por ela. Ele passou no quarto de
Tereza de onde o anel foi tirado, passou pelos perfumes e o closet de sapatos
dela, viu o corredor que o ligava ao quarto de Clarissa, com tudo aparentemente
normal. Entrou no quarto de hóspedes, ocupado por Lívia, onde na cama havia
alguns vestidos que pareciam ter acabado de sair da mala e dois frascos de
perfumes, um de rosas e outro neutro. Em seguida foi à cozinha, onde Mariana
preparava o almoço e por fim na lavanderia, onde viu que os empregados
aparentemente não conseguiam manter tudo em ordem, já que um sapato masculino
estava todo sujo de lama seca no canto, provavelmente o mesmo que Luciano usara
na segunda-feira.
- Tudo bem, Thales? – Clarissa perguntou ao agora pensativo detetive.
- Tudo sim. – respondeu voltando à realidade. – acho que esse caso já
está resolvido.
- Sério?
- Sim, mas preciso dar uma saída. Daqui a pouco estou de volta.
- Estamos te aguardando!
Thales estava mergulhado em suas ideias. A mulher tinha problemas com
dívidas do marido, o marido tinha uma carreira em jogo, a empregada tem um pai
doente. Os três tinham motivos para querer o anel, mas uma peça ainda não se
encaixava nesse quebra-cabeça, e cruzou a cidade mais uma vez para tentar
pensar... Foi até sua casa e no caminho passou no cemitério, foi olhar o
movimento, mas dessa vez, no lado de dentro.
Ao voltar à casa de Tereza, encontrou ela, o marido, a filha e a
sobrinha na sala. Pediu que chamassem Mariana, o que foi prontamente atendido.
- Quando Clarissa me contou o que ocorreu confesso que fiquei um pouco
receoso – por inexperiência, diga-se de passagem – mas quando conversei com vocês
tive a certeza de que havia muito mais coisas envolvidas do que um simples
roubo de anel. Não foi Tereza quem inventou tudo isso, com certeza, ela crê
veemente que o marido está por trás do roubo.
- O que? – Luciano exclamou, ao passo que a esposa só pode se acanhar
na cadeira.
- Mas ela tem razão de desconfiar, não é mesmo Luciano? Sua empresa
está com dívidas e você pode perder o cargo a qualquer momento. Aparentemente
você já aprontou alguma coisa no passado que fez sua esposa perder a confiança
em você. O que te salvou, porém, foi a chuva. Mariana te viu entrando no
horário que me disse e o seu sapato, a propósito, está sujo até agora. Por isso
temos certeza de que não foi você. Além do mais sua esposa tem muita lealdade
ao status. Não quer ver o marido envolvido em um escândalo desses, por isso
levantou a hipótese de Mariana, a empregada pobre do nordeste com um pai doente
e um noivo esperando casamento, ter roubado o anel. Ela tem o motivo e não tem
provas que a defendam...
- Então, ela é a ladra mesmo! -
gritou Tereza.
- Calma, senhora. O fato de ela não ter provas que a defendam não a
torna culpada, principalmente porque ela não é!
- E quem é então? – Perguntou a agoniada Clarissa.
- Sua prima, Lívia. – respondeu Thales com uma voz firme.
Todos olharam espantados para ela que tentou se defender:
- Você está louco! Isso não existe. Não vou com a cara da minha tia
mas isso não me transforma em uma criminosa.
- Pode ser que não seja por isso, mas a senhora é uma criminosa sim.
Sua preocupação excessiva em culpar alguém logo me chamou a atenção. Parecia
que queria de todas as formas incriminar sua tia. Parecia que você nutria um
ódio secreto por ela, o que você mesma confirmou ao dizer que nunca se deram
bem. Pode começar contando quando sua mãe morreu.
- O que? Ela morreu? Mas você não disse que ela estava no Mato Grosso?
– Luciano perguntou.
- Não sei do que ele está falando.
- Sabe sim. Quando conversamos, tive a impressão de que já nos
conhecíamos de algum lugar e não lembrava de onde. Depois caiu a ficha, havia
te visto ontem no cemitério, perto da minha casa, no outro lado da cidade, o
lado que ninguém dessa casa frequenta. Hoje voltei lá e encontrei uma lápide
com a foto de uma mulher muito parecida com você e uma mensagem assinada por
sua filha Lívia.
Ela não conseguiu segurar o choro e confessou:
- É verdade. Minha mãe morreu a um ano e desde então eu prometi que
iria vingar a vida que tivemos. Você, tia Tereza, ficou com toda a parte boa do
que pertenceria à minha mãe, inclusive aquele anel, por isso que roubei ele.
- Duas coisas me abriram os olhos para esse caso – prosseguiu Thales –
primeiro ela me disse que Tereza era a irmã mais nova e a preferida da mãe, só
que o anel em questão era uma herança de família costumeiramente passada aos
filhos mais velhos, o que claramente não aconteceu e provocou diversas brigas
em família. Quando a mãe morreu, Lívia decidiu se vingar por ela, pegando
justamente o símbolo dessa mágoa, o anel.
“Outra coisa
importante nessa história foi o detalhe quase imperceptível de que Tereza
sentiu um aroma de rosas quando saiu do banho, um aroma diferente no normal
naquele quarto e um dos perfumes de Lívia é justamente de rosas, o que mostra
que ela poderia ter ido até o quarto, pegado o anel e saído, ficando a
fragrância por um certo tempo.
- Não acredito que você foi capaz de fazer isso! – disse Clarissa
incrédula – e nossas conversas pela internet? Você dizia que queria se
reconciliar com a família!
- Era mentira! Eu só queria me aproximar de vocês e ter a oportunidade
de limpar a honra da minha mãe!
- E o que fez com o anel? – perguntou Luciano.
- Escondi, ele é meu por direito.
Tereza avançou sobre a sobrinha mas foi contida pelos homens no
ambiente, que seguraram Lívia até a chegada da polícia.
De volta para casa, sem passar no cemitério, Thales estava feliz da
vida com seu primeiro caso solucionado e um cheque bem gordo nas mãos. Agora já
podia se considerar um detetive de verdade. Mas o que lhe deixava ainda mais
animado era o pagamento que trazia. Tudo bem que achou muito pouco em
comparação com os vinte milhões que ajudou a salvar, mas essa era uma questão
que ele melhoraria nos próximos casos. A única coisa que ainda não tinha
conseguido desvendar era porque aquela família decidiu chamar a polícia no
final se não queriam publicidade? A resposta veio em seguida, ao abrir uma
página de notícias na internet: “Famosa família de São Paulo é vítima de
golpe”. Pois bem, pensou ele, talvez não seja uma notícia tão ruim para os
negócios.